A visão voluptuosa de Geraldo Melo

fitas_ribbons_alta-SITE

Por Waly Salomão

Tantas são as cidades envolvidas por uma bruma espessa ou difusa que apelam para o recolhimento interior e para o intenso escrutínio da alma penada batendo ao peito mea culpa mea máxima culpa. Cidades imateriais sob um eterno fog.

Festas para os olhos são aquelas cidades que arregaçam a sensualidade e mostram miríades de cheiros, sabores e cores em caleidoscópica mescla.

Paris, Barcelona, Roma, Istambul, Marrakesh, Calcutá, Rio de Janeiro e, por fim, mas não por última, Salvador da Bahia de Todos os Santos. Elas disputam, exuberantes, a primazia do arrebatamento e desregramento de todos os sentidos, de todas as formas de amor, de alegria, de sofrimento e loucura. Uma boa receita na arte de bem viver é ser politicamente incorreto: ser fiel a cada uma delas per se e constituir um precioso harém de cidades amadas. Mas é uma maluquice sem cura alguém supor um regime socialista das afeições porque ninguém nunca viu um harém igualitário, pois todo harém que se preze possui sempre uma favorita.

Geraldo Melo por estar baseado no Rio de Janeiro desde os 14 anos e gostando muito da vida carioca seria um traidor confesso e assumido se não permanecesse insubstituível na sua mente e principalmente no seu foco a dança do ventre que os esplendores da sua favorita cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos sabem sempre exercer como nenhuma outra.

A Bahia arrasa quando entra na roda e arreganha todo o H de sua imantação hipnótica. Diz o adágio popular que o baiano não nasce, estreia. E estreia num cenário deslumbrante. Olha só como a Bahia é desaforada: gosta de se exibir, de se expor, de se mostrar. Sobressaiu de cada, de nascença. Parece até que nasceu posando de top model. Também pudera foram plantá-la no topo de uma colina sobre o mar enamorado que fica enrolando um eterno bolinho de estudante nas suas areias, pedras e falésias. Vem a calhar o adjetivo “assanhada”, quando aplicado carinhosamente sobre esta cidade. Ela se remexe e deixa a moçada com água na boca. Pobre do mortal empapuçado de luz atlântica, pau-de-resposta e caldo de sururu, como pode se livrar da ilusão de que a eternidade retornou para ficar, quando assiste sob um batuque malevolente ao casamento do sol com o mar no fim de tarde do Porto da Barra? Será o genuíno pôr-do-sol do Porto da Barra ou é um céu tomado de empréstimo a El Greco? Cores hiper-realistas? Foto montagens? O fotógrafo João Bosco me contesta: não concordo com o nome foto montagem, um dia isso foi fotografia, hoje são imagens e nada mais.

Assim nos ensinou “filosofia em Nova Chave”, o clássico estudo de Suzanne Langer: “ ver é em si um processo de formulação; nosso entendimento do mundo visível começa no olho”. Sobretudo se o olho se reveste da visão computadorizada que recorta e permuta imagens alargando o limitado campo do foco.

Mirando e admirando as voluptuosas foto montagens de Geraldo Melo não há como não constatar que estamos diante de um flagrante caso de enfeitiçamento.

A Bahia de Todos os Santos abraçou o filho pródigo com generosa fogosidade e quase o afogou nos seus líquidos amnióticos. O voluntariamente exilado retorna faminto e intenciona muito mais do que simplesmente comer com os olhos. Geraldo e Bahia. Geraldo a possui porque sabe desentranhar seus ícones mais poderosos como as baianas típicas, o elevador Lacerda, o mágico do Maciel, as raparigas da rua (Manoel da Nó) brega e o desenho do Amigo da Onça, o pescador de xaréu, o cortador de coco de Amaralina (meu felino amigo Edinho do Coco caçando ao crepúsculo), gente simples do povo e, mormente, o teatralismo instintivo de seu filho ilustre Antônio Carlos Magalhães emoldurado de fitinhas bentas no sacro cenário da igreja da colina.

Tamanho poder de seleção e junção cinética de ícones transformam Geraldo Melo em um mestre da fusão luxuriosa. Que ginga! Sou agradecido ao fotógrafo João Bosco por ter-me revelado todos os santos da Bahia high tech, da Bahia pop pobre dos ex-votos de Geraldo Melo.

Pare e repare nas fotos fusões de Geraldo Melo. É um canto de alta eroticidade a Salvador da Bahia de Todos os Santos. É uma simbiose fotógrafo cidade, um caso de amor incestuoso do lugar de Yemanjá por seu obsessivo e iluminado filho pródigo.

Voltar